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SÓCRATES ÍNDICE 05 04 07 13 15 24 33 35 40 2 O que é a Sócrates EDITORIAL O que queremos DOIS SÓCRATES O Grego e o brasileiro PENSO, LOGO EXISTO O melhor do jornalismo VOCÊ NÃO SABE O QUE É UM CORINTHIANS X PALMEIRAS Para que time jogava Vargas? A DIEGO O QUE É DE MARADONA Não se fala o nome de Dios em vão FIGURAS DE (A) LINGUAGEM Moro mostra a Lula se é bom de prova ONTEM FEZ 12 ANOS Entrevista com o Doutor Sócrates PAOLO ROSSI Choramos por quem nos fez chorar Dezembro 2020 APRESENTAÇÃO

SÓCRATES Dezembro 2020 APRESENTAÇÃO revista sócrates Dezembro 2020 Edição 0 Conselho Editorial Ednilson Valia Fernando Cesarotti Júlio Lubianco Editor Chefe Ednilson Valia Repórteres Bruno Pavan Vinícius Mendes Ednilson Valia João Gregório Carmela Diagramação Ednilson Valia Revisão Christine Elói w Email socrates.jornalismo@gmail.com Redes Sociais Instagram Twitter Facebook Pensar Newsletter Bem vindos e Boa leitura Sobrevivamos. Caso contrário, estaremos sempre vivendo pela ótica impressa pelo outro; seremos a vítima perfeita das “fake news” e nunca teremos um pensamento original, próprio. Sócrates é uma revista declaradamente de esquerda. Como o filósofo e o craque, defendemos a democracia, as minorias que, no Brasil, são a maioria. Somos contra o racismo, a misoginia, a homofobia e a favor de que todos tenham a oportunidade de estudar, trabalhar, ter moradia. Enfim, uma vida digna. Atualmente é preciso ressaltar o irrefutável. Concordamos com Aristóteles e vamos tratar o esporte como tal, um ato político. A Sócrates verá o esporte pelos olhos da filosofia, da sociologia, da história e das humanidades. Os “Sócrates” nos inspiraram e acreditamos no método socrático, uma estrada de via dupla, onde todos nós aprenderemos juntos. 4

SÓCRATES EDITORIAL Dezembro 2020 C omeço com um pedido: não interrompa a leitura do editorial na próxima sentença. A VERDADE NÃO SERÁ A NOSSA RESPONSABILIDADE, SERÁ A SUA! Cultuamos a dúvida, pois ela em si, para os filósofos gregos, era a expressão da verdade e o fundamento central para o pensamento livre. O jornalismo da Sócrates partirá do princípio da racionalização de René Descartes, filósofo francês, aquele que dizia: “Penso, logo existo”. Escrevemos histórias, descrevemos os fatos e nos distanciamos das certezas.Hesitamos em acreditar que o papel da imprensa é a revelação de “verdades”. ao leitor para o que pensar (ao inteirar-se da conjuntura), partindo de si mesmo, como considerou Hegel. Por isso, adotamos a frase “PENSAR NÃO É ESPORTE”, confiando ao leitor a autonomia de decidir o que é a verdade pelos fatos, que evidenciem na sua consciência ou que a razão conheça de modo nítido. Esporte de perdedores Apenas um pode UMA PERGUNTA ÓBVIA, MAS SERIA DIFÍCIL DE IMAGINAR: O QUE SERIA DA ARGENTINA EM 1986, SEM MARADONA E A ITÁLIA, EM 1982, SEM PAOLO ROSSI? CRÉDITO FOTO: FACEBOOK PR E DM vencer no esporte, obviamente para ter o campeão, temos que ter dezenas de perdedores. O ano de 2020 foi infernal para o esporte, mas derrotas materiais de um jeito ou de outro resolveremos. O A dúvida, em nosso entendimento, não é um fim, mas um meio para alcançar a verdade e será o condutor do jornalismo praticado por esta revista digital. É a soberania em dar a liberdade necessária 5 que não podemos “perdoar” de 2020 é como este ano sepultou nossas esperanças nos “roubando” ídolos: Maradona, Kobe Bryant e Paolo Rossi. atletas, jornalistas, Citando este trio entre tantos artistas e muitos que amamos e nos deixaram. Gostaria de dizer que 2021 será melhor, mas em 2019, eu acreditei que seria.

SÓCRATES Dezembro 2020 APRESENTADO POR BRUNO PAVAN 6

SÓCRATES Dezembro 2020 POR VINÍCIUS MENDES BLOG ARIMANDÍA DOIS SÓCRATES 7

SÓCRATES Do primeiro Dezembro 2020 Sócrates que conhecemos, o filósofo de Atenas, ao último, o médico e jogador de futebol de Belém do Pará, herdase, na essência, uma mesma ideia: a de uma maneira de compreender a vida com e para os outros para além do que se costumou chamar, e reivindicar em tempos difíceis como os atuais, de democracia. É do grego que o ocidente herdou o culto ao diálogo – e o tom negativo da persuasão. Ele se opôs aos sofistas – homens que perambulavam pelas cidades da Grécia ensinando crianças sobre o poder da retórica e da sua capacidade de mudar qualquer convenção – afirmando que o conhecimento, na verdade, é sempre autoconhecimento, que o saber nunca é exterior, apreendido pela palavra que convence, mas é uma luz que permanece dentro de cada um esperando apenas ser encontrada. A metáfora da luz não é à toa: se todos os seres humanos em todos os rincões da Terra nascem dispostos de virtude e de bem, eles 8 não podem alcançá-los em sua totalidade sozinhos. Dependem de um movimento em que reconhecem a própria e absoluta ignorância – inclusive sobre si mesmos, como a psicanálise mostraria séculos depois – e, então, conseguem parir um conhecimento inerente à sua condição, por meio do diálogo constante, da conversa que não cessa, da relação social. É por isso que, em uma das conversas escritas posteriormente por Platão, um mestre (Sócrates) se coloca diante do seu aprendiz como um obstetra: “Na nossa arte, há a seguinte particularidade: que se pode averiguar por todo o meio se o pensamento do jovem vai dar à luz a algo de fantástico e falso, ou de genuíno e verdadeiro. Pois acontece também a mim como às parteiras: sou estéril de sabedoria; e o que muitos têm reprovado em mim, que interrogo os outros, e depois não respondo nada a respeito de nada por falta de sabedoria, na verdade pode me ser censurado. E é esta a causa: que Deus obriga-me a agir como um obstetra, porém veda-me de dar à luz”.

SÓCRATES Dezembro 2020 E continua: “é manifesto que eles nada aprenderam comigo, mas encontraram, por si mesmos, muitas e belas coisas que já possuíam. Confia então em mim, como filho de parteira e parteiro que sou; e as perguntas que eu te fizer, trata de responder da maneira que puderes”. Assim, o mestre não é o que aponta para o mundo e o apresenta tal como ele deve ser, mas o que sabe que, sendo cada um dono de um conhecimento universal, virtuoso e bom, tem apenas o papel de fazêlos chegar a ele. O filósofo Sócrates, assim, não é a pessoa que entendemos hoje – dona de um saber que se exterioriza –, mas é o animador, o provocador, o obstetra das ideias, um movimento que depende inevitavelmente dos outros, um diálogo impossível de se realizar consigo mesmo, porque só pode existir enquanto minimamente coletivo. Não é à toa que, filtrado por Platão, o diálogo se torna um sistema mais rigoroso de apreensão do mundo por meio da dialética. Um ato de interação em que cada afirmação é justificada pela anterior até que, enfim, se 9 atinge a essência das coisas. Nesta filosofia grega, o indivíduo jamais se basta: os outros são parte inata do saber sobre qualquer coisa, são meio e fim, passagens necessárias para um conhecimento que existe antes em cada um. E se se diz que Sócrates não era democrático, no sentido político do termo, é justamente porque não concordava com aquela democracia ateniense, em que apenas os mais ricos podiam participar das decisões políticas – uma democracia que conhecemos bem porque ainda vivemos nela. É do médico e atleta brasileiro, da mesma forma, que o Brasil herdou um pouco mais do culto à democracia tal como a vemos – e o tom ridículo de qualquer autoridade burra. Ele se opôs aos militares – homens que tentaram impor os valores e a moral de uma minoria goela abaixo de todos os outros – encabeçando, no seu próprio meio de construir a vida, o futebol, um modelo democrático alternativo e possível, sem desatinar dela todos os seus problemas. Fez isso, aliás, em um momento crucial da

SÓCRATES Dezembro 2020 história recente brasileira, cujo ambiente político só se se reviveu após os atos de Junho de 2013. Praticando um esporte essencialmente coletivo, Sócrates estendeu essa característica para além dos limites do campo. Sendo tão popular – e um entretenimento de massas, à época –, ele poderia usá-lo para além da maneira apaixonada com que nos relacionamos com o jogo: como mensagem política. O pressuposto era que o futebol é coletivo não apenas porque envolve times de 11 pessoas, mas porque é a síntese de um acontecimento em que atletas e torcedores dependem uns dos outros – como provam agora os clubes que, para manterem essa relação, chegam ao limite de colocar bonecos de papelão nas arquibancadas para simular essa presença. A metáfora de dar à luz não é trivial também neste caso: por meio de um diálogo indireto, entre bola e atenção, jogador e o que ele pode dizer, gol e política, pessoa e pessoas, também é possível se chegar a uma essência, uma compreensão da vida para além do jogo, mas que dá sentido a ele. É possível fazer do futebol um diálogo sobre ele mesmo e sobre o que o circunda. Para a maneira de Sócrates de compreender o futebol, o Corinthians era um clube ideal: por sua ligação, construída tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima, com as classes populares (assim como o são o Flamengo, o Paysandu, o Santa Cruz, o Atlético-MG e alguns outros times brasileiros). A postura era a mesma do Sócrates grego: não ensinar, mas parir ideias que já estavam lá. Em 1982, ele vestiu uma camiseta incentivando o voto para governador de São Paulo após anos de eleições indiretas. No ano seguinte, se revoltou com o Sindicato dos Jogadores de Futebol, que se recusou a apoiar uma greve geral organizada pelas centrais trabalhistas. Depois, em meio à campanha por eleições diretas para presidente – uma demanda que se tornava cada vez mais nacional no começo dos anos 1980 –, ele, ao lado de Casagrande, Wladimir, Zenon e do sociólogo e diretor do clube, Adílson Monteiro Alves, encamparam uma luta política que se manifestou em entrevistas, práticas, manifestações estéticas e essencialmente políticas. O Corinthians entrou no Morumbi, em 1983, com uma faixa escrita: “Ganhar ou perder, mas sempre com democracia”. No ano seguinte, o placar eletrônico do Maracanã, então sob uso do Flamengo, exibiu o slogan Diretas Já! durante uma partida contra o Santos. É interessante que o pai de Sócrates admirasse, na verdade, Platão, o discípulo de Sócrates na juventude que, apesar de ter dado rigor à filosofia socrática, tem uma filosofia mais de rupturas do que permanências com 10

SÓCRATES Dezembro 2020 o mestre. Em Belém, ao contrário de Atenas, Platão foi anterior a Sócrates, assim como, para nós, a “filosofia” socrática – isto é, o modelo que sempre esperamos de um jogador de futebol envolvido com seu povo – reina absoluta.• Senhor Raimundo, o sábio protetor Abaixo, na foto, Sócrates e os irmãos ainda muito jovens. O senhor Raimundo, pai dos garotos era um leitor contumaz de livros sobre a filosofia. Após os 30 anos, o obstinado “Seo“ Raimundo completou três cursos universitários. Utilizou da sabedoria para batizar os filhos e virou a referência da família. E a propósito veja o significado do nome Raimundo: tem origem germânica “Ragnemundus”, formado pela constituição dos vocábulos “ragin”, que traduzido seria “conselho”, e “Mundus” que quer dizer “proteção” e junção dos dois -“sábio protetor”, “aquele que protege com seus conselhos”. PAPO DE “SÓCRATES” SÓ SEI QUE NADA SEI 11

SÓCRATES Dezembro 2020 Informações com credibilidade muda o mundo, o país, as cidades e principalmente as pessoas. E suas decisões podem ser melhor avaliadas com a notícia ancorada em fatos. Por este motivo vamos construir um “muro” fidedigno de veículos que possam fazer a diferença a você. CLIQUE NOS CARTAZES E CONHEÇA os sites, as redes sociais e outros que possam dar um bom parâmetro do que acontes no mundo 13

SÓCRATES Dezembro 2020 “Quem não pensa, É pensado pelos outros” Aforismo socrático Blog Arimandía não diz a você o que pensar e sim o convida a refletir 14

SÓCRATES Dezembro 2020 Você não sabe o que é um Corinthians e Palmeiras! POR BRUNO PAVAN 15

SÓCRATES Dezembro 2020 Por Bruno Pavan Podcast Não, e detalhe ou a sociedade da época tenha achado aquilo um absurdo ou um ataque contra a família tradicional brasileira, que com certeza era ainda mais conservadora na época. Imagine que hoje, em 2020, Corinthians e Palmeiras resolvam realizar uma partida solidária, dessas que acontecem no final do ano entre amigos de Fulano contra conhecidos de Beltrano. Mas ao invés de doar para instituições de caridade, a renda fosse toda para o Movimento Unificador dos Trabalhadores, braço sindical do Partido Comunista Brasileiro(PCB). Se em 2020, clubes e jogadores seriam “cancelados” nas redes, hashtags seriam publicadas por torcedores e editoriais de jornalões seriam publicados, em 1945 nada disso aconteceu. Palmeiras e Corinthians jogaram naquele ano para arrecadar fundos para o MUT, que seriam utilizados para fortalecer a campanha eleitoral do PCB, na pleito que seria disputada em dezembro Milhares foram ao Pacaembu assistir a partida, que terminou 3 a 1 para o alviverde. A partida virou o livro: Palmeiras x Corinthians 1945 - O jogo vermelho (Ed. Unesp) escrito pelo ex-deputado federal e ex-ministro Aldo Rebelo e nele não há nenhum registro de que imprensa A imagem do clássico disputado no dia 13 de outubro de 1945, no estádio do Pacaembu. Fonte: Domínio Público O jornalista e historiador do Palmeiras Fernando Galuppo explica que na época era comum que clubes e associações se engajassem na reconstrução política do país e que o clima no pós-guerra ajudou nisso, mas que a partida não teve um caráter tão ideológico. “A motivação da partida foi um pedido dos próprios dirigentes do MUT, que solicitaram junto a Federação Paulista de Futebol, ao Corinthians e ao Palmeiras uma data para o evento esportivo, que tinha como patrono da iniciativa o presidente da Federação Paulista de Futebol, o Antonio Ezequiel Feliciano da Silva. A partida tinha um caráter mais beneficente que ideológica, segundo os registros da época. E vale lembrar que o Feliciano anos mais tarde se filiou ao PSD (Partido Social Democrático) e foi eleito deputado federal pela Arena, partidos 16

SÓCRATES Dezembro 2020 notadamente de inclinações ideológicas de direita. O único interesse sobre a participação da Sociedade Esportiva Palmeiras nessa partida era o contexto esportivo e a ação filantrópica que existia quando da idealização da partida”, acredita. Já Fernando Wanner, historiador do Corinthians, aponta que o fato dos dois times terem uma ligação maior com a classe operária desde a sua fundação pode ter pesado na escolha dos rivais para a realização da partida. “Os dois clubes seguem o mesmo viés operário na sua origem, mas em dado momento eles se separam por conta da questão da colônia. Por mais que o Palmeiras fosse também um clube de operários, eles eram muito fechados na questão da colônia italiana e não gostavam do Corinthians por ter uma miscigenação maior”, diz. Mas o que era o Brasil e o mundo naquele ano de fim da II Guerra, onde a tríplice aliança havia derrotado Alemanha, Itália e Japão e o nazifascismo? Getúlio recebe a bola na direita Para entender a complexidade da sociedade brasileira em 1945, precisamos voltar um pouco no tempo e tentar explicar a trajetória de uma das figuras políticas mais importantes do país: Getúlio Vargas. Trazendo para a linguagem boleira, pode-se dizer que Vargas era um daqueles coringas em campo. Batia com os dois pés, atuava desde a ponta direita até a meia esquerda e conseguia se movimentar bem para ocupar os espaços que a marcação deixava. Um exemplo disso são suas posturas no período antes da II Guerra Mundial, ainda na década de 1920. Benito Mussolini havia chegado ao poder na Itália em 1922, após a chamada Marcha sobre Roma. O Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) Rui Tavares Maluf lembra que a relação de Vargas com o fascismo italiano e, depois, com o nazismo alemão, era uma mistura de simpatia real com pragmatismo. “No primeiro momento há uma combinação de alguém que tem essa visão simpática e verdadeira e algo mais instrumental. Você via a Alemanha se reconstruindo com mais força com o Hitler e isso poderia significar condições que poderiam ser vantajosas pro Brasil. Se a gente olha já pro seu governo, há inegáveis simpatizantes do nazifascismo no primeiro escalão, mas há também todo um espaço para a figura do Oswaldo Aranha, que sempre foi defensor da democracia liberal e 17

SÓCRATES Dezembro 2020 dos Estados Unidos. O governo Vargas nesse sentido é pragmático. No período entre 1936 e 1937, há um equilíbrio dessas pessoas no primeiro escalão do governo”, explicou. É necessário também lembrar que nesse período a visão de grandes setores no Brasil dos governos de Mussolini e Hitler eram diferentes do que foram consagradas anos depois. Essa visão era capaz, inclusive, de mobilizar centenas de milhares de pessoas no Brasil, os chamados Integralistas. O pesquisador e autor do livro “O fascismo em camisas verdes” (FGV Editora) Odilon Caldeira Neto diz que, misturando a experiência do fascismo italiano com especificidades brasileiras, o integralismo nasceu como uma grande novidade na vida política do país em meados de década de 1930, sob a liderança de Plínio Salgado. “O cenário que o integralismo nasce é de rearticulação do campo político. A eleição de 1930 tinha acontecido e tinha uma classe emergente que queria se alocar no campo político, mas também existia uma aristocracia política que estava encastelada no poder. Nesse momento a revolução de 1930 estabelece algumas modificações no campo estrutural e político brasileiro e também traz novas ideias, foi isso que o Plínio Salgado conseguiu adaptar para a realidade brasileira com a experiência do fascismo histórico e o integralismo conseguiu penetrar na sociedade tanto que conseguiu se transformar numa tendência política de massas”, disse. Já como presidente, Vargas se aproximou bastante da Ação Integralista Brasileira (AIB), que nasceu oficialmente em 1932, e de Salgado, que mudou de lado e passou a apoiar a revolução de 1930. Já em 1937, o líder integralista se lançou candidato a presidente no pleito que aconteceria no início do ano seguinte. Percebendo, porém, que a ideia de Vargas era seguir no poder e cancelar a eleição, tentou se aproximar ainda mais do presidente e dos militares, com a promessa de que ganharia o Ministério da Educação e Cultura o que garantiu a retirada de sua candidatura e o apoio dos camisas verdes ao Estado novo. Acontece que isso foi mais uma jogada do Getúlio estrategista, que logo após chamar os Integralistas para o campo de ataque, os fazendo acreditar que teriam um espaço importante no novo governo, surpreendeu a todos com um rápido contra-ataque e colocou a AIB na clandestinidade em dezembro de 1937, um mês após o golpe do Estado Novo. Futebol, guerra e 18

SÓCRATES Dezembro 2020 política se misturam Entre 1939 e 1941 o Brasil se manteve neutro na guerra entre o Eixo e os Aliados. Principalmente após a rápida e fácil invasão da França pela Alemanha, onde ficava claro que o exército nazista tinha muito poder de fogo e que sua vitória naquele momento era até provável. Com o não envolvimento dos Estados Unidos no primeiro momento da guerra, a posição de neutralidade brasileira era natural. Em 1942, porém, o muro não era mais um lugar para se permanecer e o Brasil declarou guerra contra Alemanha, Itália e Japão. E isso afetou diretamente o futebol na capital paulista. Com a lei de 11 de março do mesmo ano, que mandava confiscar os bens de estrangeiros do Eixo presentes no país, alguns clubes correram o risco de terem seus estádios confiscados. No lado alvinegro, o historiador Fernando Wanner apontou que, apesar da Espanha não participar oficialmente do Eixo, o General Franco, ditador do país, era bastante próximo das ideias fascistas. Por isso o presidente do Corinthians, o espanhol Manuel Correcher, teve que entregar o cargo para que o clube não perdesse o Estádio do Parque São Jorge. Mas foi do lado alviverde o estrago foi quase fatal. O clube teve que mudar de nome, deixando de se chamar “Palestra Itália” por conta da menção ao nome do país inimigo na guerra. O jornalista e historiador do Palmeiras Fernando Galuppo destaca esse período como o de maior tensão para a comunidade ítalobrasileira, quando ela era vista como uma inimiga do país e sofria pesado preconceito. “Foi criado um ambiente em torno do clube e seus símbolos, denominado vulgarmente como ‘Palestrafobia’, que fomentava a ideia distorcida de que era um clube ‘traidor dos ideários nacionalistas’ mesmo sendo um clube brasileiro em todas as suas as bases, estatutos e regulamentos. Exemplo prático disso foi a lei de 11 de março de 1942, quando o Getúlio Vargas, decretou o confisco de bens e de direitos de estrangeiros do Eixo residentes no País, com o objetivo de ressarcir os danos materiais à Marinha Mercante, mas que, na prática, também serviu aos objetivos políticos da nova ideologia vigente”, afirmou. Esse momento história também serviu para que a rivalidade entre o Palestra e o São Paulo Futebol Clube se aflorasse ainda mais. “O Corinthians é rival, o São Paulo é inimigo”, disse o ex-goleiro do Palmeiras Oberdan Cattani no livro “Os Dez mais do Palmeiras”, do jornalista Mauro Betting. 19

SÓCRATES Dezembro 2020 Conta a história que o São Paulo Futebol Clube foi um dos que mais pressionaram o governo para tomar a sede do Palestra Itália. Paulo Machado de Carvalho, dirigente são paulino e dono da Rádio Record na época, fez uma grande campanha contra o alviverde, que havia mudado seu nome para Palestra de São Paulo, vinculando a origem da palavra Palestra ao italiano. O Primeiro jogo da Sociedade Esportiva Palmeiras já com esse nome foi um clássico contra o São Paulo que definiu o título paulista de 1942, em que o time tricolor, perdendo por 3 a 1, abandonou o campo após a marcação de um pênalti para o Palmeiras. Getúlio leva a bola pra esquerda O jogo de Getúlio sempre foi o do pragmatismo, e não o do futebol arte. Da mesma maneira que esteve de mãos dadas com os integralistas na década de 1930, a partir de 1945 começou a concentrar o jogo na esquerda, se aproximando dos comunistas para fazer uma tabela por ali. trabalhistas, Os comunistas, juntamente com os apoiaram o movimento “queremista”, que defendia a eleição de uma nova Assembleia Constituinte em 1946, mas com a continuidade de Vargas no governo. Esse apoio fez com que diversos quadros importantes do PCB deixassem o partido e acabou com mais um golpe, dessa vez dos militares contra Getúlio. O professor da pós-graduação em história econômica da Universidade de São Paulo e militante do PCB Antonio Carlos Mazzeo explica que nada havia de ideológico nesse apoio, mas que, como boa parte do PCB militava no PTB de Getúlio quando o partido estava na clandestinidade, Vargas encampou diversas pautas dos comunistas. “As relações políticas não são pessoais, então, no final dos anos 40 e início dos 50, o Getúlio começou a abraçar muitas pautas dos comunistas: nacionalização do petróleo, das reservas do subsolo, do minério e a 20

SÓCRATES Dezembro 2020 industrialização do país. Mas não era uma relação de amizade, era pragmática. Tanto que em 1947 o PCB já volta para a clandestinidade novamente”, reforçou. Maluf também destaca essa espécie de trégua e que até mesmo o presidente estadunidense Franklin Delano Roosevelt entendia que a postura anticomunista de Vargas teria que ser refreada, até certo ponto. “O PCB também tenta se posicionar de uma forma pragmática porque como ele passa a maior parte da sua vida na clandestinidade, ele percebe que tem que se tirar força de vários outros espaços. Como também o próprio Roosevelt era um homem de grande visão, ele entende que é fundamental evitar que a URSS colapse, então de uma certa maneira ele percebe que o anticomunismo do Vargas precisa ser refreado”, disse. Após a II Guerra, mundo vivia um “momento cor de rosa” Em 2 de setembro de 1945 a II Guerra Mundial teve um fim oficial e o mundo, agora, era oficialmente dividido entre as potências capitalistas Inglaterra, Estados Unidos e França, e a União Soviética comunista. O nazifascismo estava derrotado militarmente, com Mussolini enforcado em praça pública e Hitler suicidado. Por conta da participação decisiva do exército vermelho no confronto, o governo de Joseph Stalin estava com bastante moral pelo mundo, e isso não foi diferente no Brasil, o que fez o Partido Comunista do Brasil (PCB) voltar a legalidade. Mazzeo explica que, por conta dessa situação e por inúmeros comunistas terem ido servir na Itália representando a FEB, não era possível para o governo deixar o partido na clandestinidade. “O cenário na época era de otimismo porque os comunistas tinham tido papel muito importante na guerra, porque não só a URSS, que chegou primeiro em Berlim e colocou a bandeira lá em cima, mas comunistas na Itália, França e 21

SÓCRATES Dezembro 2020 Iugoslávia também foram muito importantes nessa luta. Não tinha mais como manter o partido na ilegalidade, inclusive porque muitos militantes como Jacob Gorender e o Dinarco Reis foram combater o nazifascismo pela FEB”, apontou. Maluf reforça que após o mundo sair de uma guerra sangrenta e devastadora, havia um certo “momento cor de rosa” onde a guerra fria ainda não havia começado de fato, onde a sociedade pedia uma espécie de trégua. “Quando em 1944 já se percebe que mais ou menos dia os aliados vão vencer a guerra, já se tem um clima de distensão relativamente grande. Ainda que debaixo da ditadura do Estado Novo, mas esse clima começa a abrandar um pouco. Seja pelo âmbito dos comunistas, dos democratas liberais ou do próprio pragmatismo do Vargas, que sabia que com a derrota do nazifascismo sua própria ditadura estaria com os dias contados, o momento de 1945 é de uma certa alegria, um momento cor de rosa e de conciliação”, explicou. 22 A partir de 1947 começou a Guerra Fria e o tal momento de conciliação acabou. O Comunismo e a URSS se tornaram a causa de todo o mal. Após a vitória da revolução cubana, os EUA se apressou e tratou de impedir que houvesse uma nova Cuba no continente, patrocinando regimes que fugiam da democracia liberal clássica. Corinthians e Palmeiras seguiram como os grandes rivais que ainda são. Grandes decisões aconteceram, grandes filas, e grandes conquistas. Como disse certa vez o jogador e treinador escocês Bill Shankly(Foto): “o futebol não é uma questão de vida ou morte. É muito mais importante que isso”.• *Frase do título da reportagem foi retirada do filme “Boleiros – Era Uma Vez o Futebol”, de 1998, dirigido por Ugo Giorgetti

SÓCRATES Dezembro 2020 POR JOÃO GREGÓRIO CARMELA 24

SÓCRATES Dezembro 2020 No dia 25 de novembro, sem ser comunicado pela imprensa ou mesmo pelos familiares, descobrimos o falecimento de quem escreveu e leu este texto. Outras mortes também foram constatadas, apesar do leitor e da leitora não terem notado. O padeiro, a feirante, a moça que vende lactobacilos pelas ruas, a caixa do açougue, a executiva do centro financeiro e muitos atores, atrizes e autoras da TV e da Internet, todos foram desta para a melhor ou pior (ninguém voltou para dar a resposta). E muito triste que não soubemos, mas os pais, os irmãos, os tios e tias e por fim os avós padeceram na quarta-feira, no vigésimo quinto dia de novembro do ano de 2020, todos morreram juntos a Diego Armando Maradona Franco. Todos nós tínhamos algo de “Diego” e Maradona teve defeitos e virtudes facilmente encontradas em qualquer um de nós. As muitas faces de Diego Armando não eram diferentes das máscaras de Maradona. Nunca foram dois, não havia separação. Não há como ficarmos com a parte boa e expulsarmos a parte ruim de qualquer ser humano. Franco (o único nome e sobrenome não citado neste parágrafo) era gênio, machista, pai carinhoso, homofóbico, também contumaz tagarela, frasista político, genial, alienado, a quem você queria ter como amigo E, muitas vezes, paradoxalmente, elegê-lo como inimigo, enfim, um ser humano. Aliás, um exemplo de humanidade. Em frente à Casa Rosada para o velório, o argentino Andrés Quinteros definiu Maradona de forma clara ao meu entendimento “Ele (Maradona) é o gênio, ele é o povo, ele somos nós, a vida, o amor”. Os ponteiros do relógio apontavam para o infinito, eram 12 horas. Procuro o celular, e não acho (depois vim saber que foi “furtado” pela companheira de vida). Tocou o telefone fixo, e eu estava no lugar de onde dificilmente saio, o panteão das obsessões. Atendo a ligação e era Diego, um colega de anos que logo após o alô justificava algum fato que não conseguia entender: “Primeiro de tudo, calma. Há muito tempo ele (quem?) vinha demonstrando uma frágil saúde devido aos excessos de uma sofrida, vivida e 25

SÓCRATES Dezembro 2020 julgada vida”. E após me deixar nervoso com o preâmbulo na ligação, concluiu sem solavanco a frase que quase todos os jornalistas argentinos repetiram: “Eu nunca pensei que iria dar essa notícia enquanto estivesse vivo, MARADONA MORREU”. Para chegar à catedral das neuroses, é necessário muitos anos e treinamento inconsciente, autoestima pouca e muito extrema arrogância, garanto; é preciso esforço para atingir esse nível. Atestada a insensatez de minha mente, voltamos à ligação Fiquei atônito, sempre fui ardoroso fã de “DIOS”, mas estranhamente e vieram 3 pensamentos abilolados, vamos pela ordem: 1º .Pensamento - “Después de la tormenta viene la inundación”: não é possível que um amigo chamado Diego, me dê a notícia da morte de um ídolo homônimo, e diz que aos 34 anos nunca imaginaria contar sobre a morte de um homem de 60 anos. 2º.Pensamento - “yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”: Maradona morreu no dia 25, 5 + 2 = 7 e as 12 horas, 1 +2 = 3, e somando 7 + 3 = “Diez” e devido ao coração, nada tão “maradoniano”. 3º.Pensamento: “Donde el diablo no pueda telefônica. llegar, pon la cola”: o Diego que me deu a notícia (ficamos amigos devido ao Maradona) tem 34 anos, nasceu em 29 de junho às 3 horas da manhã. E novamente a conta obsessiva da idade, 3 + 4= 7 + 3, do horário do nascimento, completava o número mágico “Diez”. Mas 29, não é 10, é o dia, o mês e o ano que a Argentina de Diego, o Maradona, levantou a taça de bicampeã do mundo, em 1986. O caro leitor e a cara leitora devem pensar: “Nossa, como você é místico!”. Pois, não sou. Eu não acredito em Deus, mas tenho medo dele, como disse um dia, Gabriel Garcia Marquez. Todo esse procedimento cabalístico, de coincidências sobre o Maradona, só fazemos com alguém querido, com quem desfrutamos a intimidade e apesar de não o conhecer, ninguém teve a vida mais exposta no esporte que o mais famoso Diego. 26

SÓCRATES Dezembro 2020 O grau da intimidade era tão espantoso entre o craque e o público, por exemplo, na Argentina poucos usavam “Maradona”, o comum na imprensa e com o público é (e sempre será) Diego. Conhecemos os jogadores argentinos pelo sobrenome: Gabriel Batistuta, Lionel Messi, Cláudio Cannigia, Martin Palermo, Ubaldo Fillol, Carlos Tevez, Sérgio Aguero, Passarela, Carlos Bilardo, César Luís Menotti, Marcelo Bielsa, Alfredo Di Stefanno, Mário Kempes, Diego Simeone, Juan Sebastian Véron, Fernando Redondo e Juan Roman Riquelme. Mas somente um é chamado pelo primeiro nome: Diego Armando Maradona. O ponto é que essa relação exigia explicações apenas de uma parte. A morte de Diego era tão clara e evidente estava que por ninguém, nenhum pobre vir e não iria demorar. diabo Mas quis enxergar o fatídico e inevitável dia. E agora há uma busca insana por um culpado, já foram acusados o médico, as filhas, as ex-mulheres, a enfermeira, a irmã, o psiquiatra e a cuidadora. O fato é que foram todos...nós. Matamos Diego quando precisou de ajuda e o julgamos, liquidamos Diego, Daniel quando foi preconceituoso, homofóbico e rimos; tiramos a sua privacidade ao ficar doente pelo vício na cocaína e o abandonamos Maradona ao receber a suspenção na Copa de 1994, pelo uso de efedrina. Não lhe demos o direito de defesa, não investigamos se usou o remédio ou foi lhe dado sem saber, apenas o trituramos moralmente. Diego Armando nunca pediu para ser exemplo, mas a figura pública diante de uma sociedade demagoga, não deu escolha ao único que deveria escolher se serviria de modelo. Sim, “passarei o pano” para Maradona e “utilizarei o rodo” em qualquer caso que alguém for autêntico e prejudicar somente a si mesmo. Carrego a culpa de ter consumido a privacidade de Diego e de alguma forma ter uma parte da responsabilidade sobre sua morte. Para entender, compreender ou procurar um culpado para aliviar a consciência, na 27

SÓCRATES Dezembro 2020 quinta-feira dia 26, resolvi ir caminhar, muito cedo, antes das 6h00 da manhã, era um transeunte a procura de uma explicação para o que era nitidamente já explicado. Andei, caminhei, marchei e percorri até ficar com dó de mim. Após duas horas vi a uma batina, quem a vestia era um homem com um protuberante nariz, de óculos com hastes longas de cor azul e aros na forma de circunferências e lentes grossas, sua altura era incômoda, impossível olhar para sua fronte sem inclinar o pescoço, uma branquitude quase albina que o fadava a sempre ser pálido e tão magérrimo que ao se movimentar, seus joelhos e cotovelos formavam um ângulo perfeito de 90º. Não era uma referência que tinha para vigário. Como já confessei, sou ateu e fiquei observando para ver se alguém também o enxergava (vai que...né) e suspirei quando vi um casal beijando a mão do sacerdote e pedindo absolvição. Dois idosos, brancos, cerca de 70 anos, a senhora tinha fartos cabelos loiros, com as raízes brancas, um pequenino nariz e narinas gigantes e largas (caberia um kibe em cada), sobrepeso aceitável, de salto alto, uma camiseta com a estampa escrita “sex, only for three” (sim, também fiquei surpreso) e uma calça caqui. Mas o que me incomodou era uma aspereza descomunal no cotovelo, cor marrom com bege e umas pintas brancas, um relevo de estranheza aos olhos nus. E eram nos dois O senhor cotovelos. era um padrão do conservador: “branquelo”, no máximo 1,65 mts de altura, barriga avantajada, carteira masculina com alça em forma de laço, de grande proporção compatível a uma lancheira, cabelos amealhados, testa desprorpocional a outras medidas do rosto, camisa regata por baixo de uma social aberta em dois botões de onde surgia um crucifixo prata, complementando a vestimenta, uma calça preta e um sapato, estilo 7-5-2 preto, engraxado, mas sem brilho. Após um literal beija mão do casal com o padre, a senhora disse: “O senhor viu os argentinos chamando aquele lá de “Deus”” e o marido em seguida falou: “É. Chamando 28

SÓCRATES Dezembro 2020 aquele lá de Deus”. O “cordeiro de Deus” a quem devemos retorcer o pescoço para enxergar a sua face olhou para o casal, um de cada vez, por uns trintas segundos e os “conjês” (como diria um certo exjuiz e ministro) também contemplaram o “servo de Deus” pelo mesmo tempo. E eu com todos aqueles olhares, fiquei numa angústia danada e pensei na frase da camiseta da senhora (Sexo só se for a três) e fiquei espantado com a sordidez da minha mente e depois atravanquei naquela maldita articulação superior (também conhecida por cotovelo) rugoso de cores detratoras (adjetivo da moda) e nesta pandemia, muitas pessoas batem o cotovelo se cumprimentando, eu nunca bateria o meu naquele e ainda o “Trisal” se cumprimentou beijando a mão. Naquele momento, me senti mais omisso que o ministro da saúde com aparência de tenente coronel húngaro e por segundos, não me manifestei para interromper o tortuoso entreolhares. E finalmente o sacerdote respondeu: “É a graça de Deus se manifestando no homem, trazendo salvação a todos” - comovente. E continuou: “Maradona tem a achei mesma importância que o Pelé para os brasileiros. Ambos trouxeram a alegria muitas vezes, a quem somente podia sorrir graças ao futebol”. A mulher e o homem responderam em jogral. Primeiro a esposa: “Ah, padre, ele era um drogado e o moreno lá (Pelé), um canalha, não reconheceu a filha no leito da morte”, o esposo completou “é, um drogado e o moreno lá”. O meu sangue ferveu a uma temperatura indescritível, mas esfriou rapidamente, pois o Padre fez jus aos seus “3,21 mts” e escavou o fosso da humilhação para o casal do “Sexo a três”: “Não é possível que nos dias de hoje, vocês ainda se manifestem desta maneira. Este racismo indecoroso, que moreno o que! Pelé é negro, um orgulho para o país e deveria ser para vocês também e o Maradona fez mal somente a ele. Deus deveria perdoar vocês, mas falta muito para mim, um 29

SÓCRATES Dezembro 2020 servo dele, não ficar indignado com um comportamento deste”. Tudo isso num tom de voz aceitável, claro nas ideias. Ambos pediram desculpas e perdão ao eclesiástico dizendo que não tiveram a intenção. Aliás, a esposa respondeu e o marido, repetiu algumas palavras da mulher. A morte moral do casal me fez bem (Não vou para o céu) e continuei a caminhada, matutando sobre o que acabara de ouvir. Toda vez que algum cidadão elogia o Pelé, sempre tem outro(a) lembrando o caso da filha. “Que golaço o Rei fez na final da Copa de 70”, a resposta é automática “e a filha hein”, “Nossa que jogador foi o Pelé”, outro cidadão(ã) “e o caso da filha hein”, “O Pelé era um visionário, prometeu milésimo gol às crianças” e mais um desgraçado (a) emite o seu zurro “Mas não reconheceu a filha”. Pois bem, vou contar um segredo a essas pessoas: Pelé é humano. Erra como qualquer um, pode ter errado na relação com a filha e errou em muitas outras coisas, mas enfrentou o racismo e passou por inúmeras dificuldades para atingir o ponto em que chegou. E se tivesse sido mais atuante em qualquer ponto na sociedade, seria permitido a ele alcançar o sucesso? Pelé foi aceito por ser negro ou por ser um homem extraordinário em determinada função? E quem somos nós, eu um pardo e os brancos, para determinar como um negro deve se comportar? Continuei a perambular e com o intento de tomar uma cachaça para desanuviar um sentimento de culpa incompreensível; avistei um boteco pouco higiênico, daqueles que antes de servir o café limpa o copo na água quente que esquenta a bebida no “bule”, sentei no banco do balcão, fui atendido de prima, desisti da pinga e pedi o cafezinho higienizado na água quente do “Bule”. Vejo chegar uma caminhonete na frente do bar, um cidadão, entre 40 e 45 anos, sem cabelos, de sapatênis, bermuda jeans, exageradamente corpulento; usava uma camisa polo que não chegava a cobrir o umbigo. Aliás, era uma saliência pré 30

SÓCRATES Dezembro 2020 quadril larga, profunda, triangular (o primeiro que vi desta forma), caberia uma maçã tipo argentina e Após beber de forma aviltante, assistiu, talvez duas ou três jabuticabas. Realmente impressionante. Desceu do veículo gritando apelidos impronunciáveis, adentrou no recinto com o seu pequeno-grande “Grand Canyon” abdominal e pediu um Bombeirinho (um coquetel de bebidas com cachaça, groselha e limão) na mesma água quente que foi higienizado o meu copo, foi o dele também. Virou de uma vez o seu drink, a rapidez do gole me fez imaginar que o seu mega umbigo começava a tomar vida e porventura enxerguei um corpo estranho saindo da saliência de sua pança; deveria ter entre um e três centímetros, de cor branca, não parecia sólido, talvez seria um pedaço de algodão. Fiquei imaginando qual seria o próximo objeto enigmático a sair daquele rasgo indeterminado do sujeito. na TV do botequim, o apresentador dizer que morreu “DIOS” e nem o jornalista terminou de falar a palavra, ainda estava no “OS”, o “Homem-Umbigo” gritou: “Que Deus porra nenhuma, esse era um filho da puta drogado, vai ser comparado a Santo, a Jesus Cristo e a Deus? Esse bando de cuzão (jornalistas) é tudo “comunista” e os “vermelhinhos” são todos ateus”. E um elemento sentado, de onde eu não podia avistá-lo aprovou a frase que acabara de ser dita com o complemento “é, comunista e ateu”. Levantei para ver o indivíduo que concordava com tamanha “abobrinha” e para a minha surpresa era o “Esposo” que beijou a mão do padre. Sim, estava pronto para me manifestar iria salvar o dia, mas não deu no bar, tempo. O dono do estabelecimento virou para o avantajado homem, que tinha o umbigo obsceno e disse: “Não deveria ter falado isso”. Em seguida, o “cirandeiro” bebedor de bombeirinho foi expulso a pontapés pelo sócio do botequim, que era argentino. E eu não pude ser o herói. A discussão se “Dios” é Maradona não teve sequência. Voltando para casa a pé, refleti sobre o concílio para virar Santo, era a polêmica colocada em questão pelo “mega-umbigo”. 31

SÓCRATES Dezembro 2020 Em casa, pesquisando, encontrei um site (skepticsannotatedbible.com) que traz uma versão da Bíblia comentada pelo editor mórmon Steve Wells, que fez uma “competição” para saber quem matou mais: Deus x Diabo. O resultado encontrado por Steve é surpreendente: O Altíssimo, o herói do livro, matou 2.270.365 pessoas e o vilão, o Sete Peles, 10. Confesso que não conferi os números. Mas há coisas meio que inexplicáveis na Bíblia. Que pai (DEUS) é esse que faz o filho (Jesus) sofrer tanto? E por que Deus matou todos os primogênitos egípcios por causa da teimosia do Faraó, como contou o livro de Êxodo, capítulo 12, versículo 23? No livro de Reis II, no capítulo 23 e versículo 25, diz que o profeta Eliseu caminhava pela cidade Betel, quando encontrou algumas crianças, que começaram a caçoar da sua “Careca”. Chateado, o profeta Eliseu amaldiçoou os pequeninos em nome do Senhor, em seguida, duas ursas saíram do bosque e destroçaram 42 crianças. O que aconteceria comigo, que fiquei pasmo com o cotovelo de uma senhora e o umbigo do cidadão? Não estou fazendo chacota e sim perguntando como leigo, o que significa isso? E por que Maradona não pode ser “DIOS”? Diego sempre teve uma vida sofrida, provações não faltaram, lutou como poucos contra as tentações, resgatou o orgulho de um povo, honrou pai e mãe, não matou ninguém e santificou todos os domingos. Cumpriu quase todos os mandamentos, mas se Deus, segundo Steve, matou duas milhões de pessoas, então Maradona está muito próximo de ser canonizado. Apesar de desabafo, a tristeza que bate é contínua. Sempre é mais um dia por vir, decepções e encontros que nunca quis de Diego terão que vir, e nas confusões de domingo, as lembranças permanecerão na sempre minha mente. Os meus olhos tomaram conta de sua genialidade jogando bola e na balbúrdia dos meus sentimentos, me excedi com todos, devido a sua humanidade tão desvairada e nua. Agora sigo a vida com o novo “normal”, que é a mesma coisa de antes, só que pior. • *Crédito das fotos - Redes Sociais de Diego Armando Maradona todo esse 32

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SÓCRATES Dezembro 2020 ONTEM FEZ 12 ANOS Entrevista com Sócrates Por Ednilson Valia 35

SÓCRATES Dezembro 2020 “Ontem” entrevistei o ex- craque da Seleção Brasileira e do Corinthians, Dr. Sócrates; esta é a sensação que tenho ainda hoje, apesar da entrevista ter acontecido em 2008. Falar com o Doutor e ter aproveitado da sua imensa capacidade intelectual não é apenas uma referência para o jornalista, e sim marca a trajetória do homem que o entrevistou. Sócrates faleceu em 2011, deixando muitas saudades, ainda mais nos tempos em estamos vivendo, onde a sua lucidez faz falta. Abaixo transcrevo o papo que tive com o melhor camisa número 8 que vi jogar. Entrevista realizada em setembro de 2008 Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, aos 54 anos, continua o mesmo questionador à época de jogador. O excraque dentro de campo se tornou um mestre nas palavras. Inteligente, culto e politizado consegue expor seus pensamentos com clareza e diz a revista Trivela(Setembro de 2008) que pretende lançar uma chapa com o ex-jogador Wladimir à presidência do Corinthians e até se arriscar na vida pública como Deputado Federal ou Senador. Como você avalia a gestão de Ricardo Teixeira a frente da CBF? Sócrates- Ganhar duas Copas do Mundo com a seleção brasileira em 20 anos é praticamente natural. O difícil seria vencer com o selecionado israelense. Nada contra Israel. É só um exemplo. Na verdade, os jogadores brasileiros têm muita qualidade. A “commodity” é muito boa. O futebol nacional, ou melhor o esporte distorceu seu caminho com a mudança da lei em 1988. O Corinthians deu um belo exemplo disto, aprovando eleições diretas e mudando seu estatuto. Até pouco tempo os dirigentes ficavam uma década no comando dos clubes. Temos que mudar a estrutura do esporte nacional. Não só da CBF. Hoje, jogadores de futebol aceitam o primeiro convite para atuar no exterior e não importa o país, pode ser a BieloRússia ou a Ucrânia. E você recusou quatro propostas em 1984. Por quê? Sócrates- Eu não queria. Em 1984, realmente eu recebi quatro convites: Inter de Milão, Napoli, Barcelona e um time francês, acho que era o Racing. Não queria ir, aqui era a minha casa, o país passava por uma mudança democrática. Mas quando a emenda Dante de Oliveira( lei que permitiria a eleição do presidente da República pelo voto direto) não passou no 36

SÓCRATES Dezembro 2020 congresso, ai eu inverti a lógica. Eu disse que não iria, só que depois daquela decepção eu iria para o primeiro time que aparecer. Por isso fechei com a Fiorentina. Você foi um jogador com opiniões fortes, atualmente os atletas não te decepcionam pela alienação política e até para defender a própria classe. Um exemplo político foi o problema recente da entrada de brasileiros na do Espanha. Apesar Brasil ter muitos jogadores atuando no território espanhol, ninguém se manifestou. Estas atitudes não te decepcionaram? Sócrates - Eles não tem noção que seja isso. Os atletas, na maioria não têm formação educacional e muitos não sabem que passam nos seus próprios contratos. Na verdade é que temos que educar estes (jogadores de futebol). A sociedade tem que exigir que eles sejam educados pois estes são referências para a população menos favorecida. Após 26 anos, como você enxerga a Seleção de Telê Santana em 1982? Sócrates- Aquela seleção era a cara do futebol brasileiro. Ainda, aquele time é referência no mundo inteiro. O sonho dos torcedores brasileiros era ver aquele futebol bem jogado. O resto é discutível. Até porque o que houve antes, pouca gente teve acesso. Foi uma fatalidade perder para a Itália? Sócrates Foi como “broxar” com uma mulher bonita e gostosa.(risos). Depois da expulsão do presidente Alberto Dualib e a eleição de Andrés Sanchez, como você enxerga o momento atual do Corinthians? Parece que há algumas nuvens nebulosas no Parque São Jorge? Sócrates- Não é só o Corinthians, são todos. Mas o clube vai mudar. Já deu exemplo mudando o estatuto, deixando o presidente ser eleito pelos votos dos associados. Está nova fase, eu chamo de “A Segunda Democracia Corintiana”. Pois a comunidade corintiana resolveu controlar as ações dos seus executivos. O Dualib e o Nesi Curi já caíram fora, logo sairá o Andrés. E gradualmente vai ter a mudança do modelo de gestão. E o relacionamento entre o associado e o seu 37

SÓCRATES Dezembro 2020 executivo começará a mudar. O Casagrande disse que quando parou de jogar futebol , entrou em depressão profunda e um “vazio” tomou conta dele e isso foi um dos motivos que o levou para o vício na cocaína. E para você, o que aconteceu quando encerrou a sua trajetória como atleta? Sócrates O jogador não perde um emprego e sim uma profissão. Quando me separei da primeira mulher, eu voltei a jogar futebol, por instabilidade emocional, pois ali, era o futebol, era onde eu me sentia seguro. E por que não voltou ao Corinthians? Sócrates - Eu quis, fui até a casa do presidente Vicente Matheus, mas ele não reiterou o convite, que havia feito antes por telefone. Ai, aceitei o convite do Santos. Você já experimentou cocaína? Sócrates Não. Eu tenho apenas três vícios: Mulher, cigarro e cerveja. Se eu arrumar outro vou ter que substituir por um destes. Você é sócio remido do Corinthians, algum dia vai ser candidato a presidente do clube? Sócrates Sim, gostaria de ser. Mas tenho apenas um mandato de conselheiro, preciso de dois. Mas estou articulando com o Wladimir uma chapa para a próxima eleição. E também quero falar com o Zé Maria, a respeito. E a vida pública, não gostaria de ter tribunas oficiais para suas idéias? Sócrates Realmente gostaria de expor meus pensamentos nas tribunas do congresso. Mas estou refletindo sobre o assunto, talvez eu possa sair candidato a senador ou a deputado federal. Para fechar a entrevista, vê o momento como você atual do país? • Sócrates Conheci o Lula em 1979 e sem dúvida é um dos caras mais inteligentes que conheci. É um questionador e um bom ouvinte. Um exemplo disto são os seus conselheiros econômicos que vão de Delfim Neto ao Beluzzo ( Luiz Gonzaga Beluzzo). Claro que muitas coisas que aconteceram no país, eu não concordo. Mas é nítido que o Brasil melhorou. Basta comparar as balanças comerciais dos três últimos governos. • . 38

SÓCRATES Dezembro 2020 Em 2020, o número 20, que fez toda a geração de 1+9+8+2 (20) chorar e possívelmente ter condenado o futebol a esquemas táticos defensivos por mais de 20 anos nos deixou. Choramos por Paolo Rossi, o italiano que venceu a seleção brasileira e posteriormente conquistou o título na Copa do mundo na Espanha, faleceu ao 64 anos, vítima de um câncer de pulmão , no dia 9 de dezembro. Foto: twitter FIF 40

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