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SÓCRATES Dezembro 2020 história recente brasileira, cujo ambiente político só se se reviveu após os atos de Junho de 2013. Praticando um esporte essencialmente coletivo, Sócrates estendeu essa característica para além dos limites do campo. Sendo tão popular – e um entretenimento de massas, à época –, ele poderia usá-lo para além da maneira apaixonada com que nos relacionamos com o jogo: como mensagem política. O pressuposto era que o futebol é coletivo não apenas porque envolve times de 11 pessoas, mas porque é a síntese de um acontecimento em que atletas e torcedores dependem uns dos outros – como provam agora os clubes que, para manterem essa relação, chegam ao limite de colocar bonecos de papelão nas arquibancadas para simular essa presença. A metáfora de dar à luz não é trivial também neste caso: por meio de um diálogo indireto, entre bola e atenção, jogador e o que ele pode dizer, gol e política, pessoa e pessoas, também é possível se chegar a uma essência, uma compreensão da vida para além do jogo, mas que dá sentido a ele. É possível fazer do futebol um diálogo sobre ele mesmo e sobre o que o circunda. Para a maneira de Sócrates de compreender o futebol, o Corinthians era um clube ideal: por sua ligação, construída tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima, com as classes populares (assim como o são o Flamengo, o Paysandu, o Santa Cruz, o Atlético-MG e alguns outros times brasileiros). A postura era a mesma do Sócrates grego: não ensinar, mas parir ideias que já estavam lá. Em 1982, ele vestiu uma camiseta incentivando o voto para governador de São Paulo após anos de eleições indiretas. No ano seguinte, se revoltou com o Sindicato dos Jogadores de Futebol, que se recusou a apoiar uma greve geral organizada pelas centrais trabalhistas. Depois, em meio à campanha por eleições diretas para presidente – uma demanda que se tornava cada vez mais nacional no começo dos anos 1980 –, ele, ao lado de Casagrande, Wladimir, Zenon e do sociólogo e diretor do clube, Adílson Monteiro Alves, encamparam uma luta política que se manifestou em entrevistas, práticas, manifestações estéticas e essencialmente políticas. O Corinthians entrou no Morumbi, em 1983, com uma faixa escrita: “Ganhar ou perder, mas sempre com democracia”. No ano seguinte, o placar eletrônico do Maracanã, então sob uso do Flamengo, exibiu o slogan Diretas Já! durante uma partida contra o Santos. É interessante que o pai de Sócrates admirasse, na verdade, Platão, o discípulo de Sócrates na juventude que, apesar de ter dado rigor à filosofia socrática, tem uma filosofia mais de rupturas do que permanências com 10

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